História de Ana do Rego Maranhão (Donana)


13-8-1888 - Carolina . 3-6-1985 - Carolina [idade: 97 anos]

   NOTAS


Livro: Os descendentes de José do Rêgo Trigueiro e Flora Francelina do Rêgo Maranhão - Genealogia e Histórias

 


Livro: Carolina Meu Mundo Perdido [Rossini Maranhão, 1971, p. 215 - 219]

 


Donana faz 80 anos


Donana é o apelido familiar de minha mãe, moça tímida que se casou com o primeiro namorado no início do século quando as mulheres ainda viviam na dependência total dos maridos e inteiramente devotadas aos afazeres do lar.
Serena, em suas atitudes firmes, minha mãe combinava com meu pai na transmissão aos filhos da educação rígida que traziam do berço. Sua severidade, entretanto, não a impedia de amenizar perante ele as nossas faltas, minorando os castigos que nos eram aplicados.
Ela que já se habituara a chorar quando um de nós adoecia, enfrentando as noites de vigília sob a luz tremeluzente das lamparinas de querosene ou quando perdia um dos vários filhos que morreram ainda crianças, passou depois a chorar as despedidas dos que iam partindo. Durante quase cinquenta anos meus pais desfrutaram a harmonia que os unia, partilhando alegrias e tristezas até que num triste dia do ano de 1957 minha mãe ficou viúva.
Não chegaram juntos às "bodas de ouro" que tanto queriam festejar.
Mamãe ficou só na casa grande que papai lhe deixou e onde com prazer indescritível acomoda toda a família eventualmente reunida. E agora meus irmãos Abílio, Eunice, Gilberto, Genésio, Diana, Orlando e eu, partindo de diversos lugares, vamos juntos festejar as oitenta prateadas primaveras de Donana.
Ainda não eram seis horas quando tomei um taxi em Copacabana. Decolamos às 7. Duas horas e meia decorridas e eis-nos sobrevoando Brasília onde pousamos.
No meio do salão do aeroporto repleto de gente, divisei o mano Abílio, médico sanitarista residente em Goiânia. Havíamos combinado o encontro e a viagem para Carolina. Assim, dentro de poucos minutos fomos chamados para o embarque. O voo continuou sereno enquanto conversávamos sobre os assuntos da região tão fascinante para nós, que nem nos apercebemos do tempo e pela janela já divisávamos lá embaixo, coleante e fugidio, o rio Tocantins com os seus inúmeros afluentes, irrigando e fertilizando as ricas terras goianas. A viagem estava chegando ao fim. O avião voava baixo e já reconhecíamos os acidentes geográficos que indicavam a aproximação de nosso destino. Quando a aeronave fez a manobra de pouso em voo rasante sobre o território goiano e iniciou a reta para tomar a pista do aeroporto de Ticoncá em solo maranhense, tínhamos o rio Tocantins atravessado à nossa frente e depois dele Carolina com o seu casario quase encoberto pelas mangueiras seculares que constituem grande parte de sua arborização; à esquerda a ilha dos Botes e o morro do Chapéu; à direita o espelho branco serpenteante das águas remansosas do rio lendário.
Donana que nos aguardava em casa, chora de alegria quando nos abraça dizendo:
- Meninos, vocês estão de cabeça branca. Deixem isto para mim que já vou fazer oitenta anos.
Abílio esboça um sorriso pensando em suas lutas e eu vou além brincando:
- Que nada mamãe, a senhora está tão nova que poderia comunicar a todos que seus irmãos estão chegando para a festa. Vamos mandar uma nota para o serviço de alto-falantes do Doca Sousa, anunciando a chegada de seus irmãos que estavam perdidos por aí.
Todos riem e o Genésio aproveita para despachar alguém que o está procurando no escritório:
- Diz a ele que durante alguns dias estarei muito ocupado com dois tios que chegaram do sul.
Mamãe interrompeu as brincadeiras chamando-nos:
- Venham ver, olhem que beleza. Ninguém tem igual aqui.
Como criança que houvesse ganho um brinquedo novo, mostrava-nos a geladeira que lhe mandara pelo rodoviário e que havia chegado na véspera. Estava encantada com o presente. Abriu-a e foi exibindo as frutas da região. Fazia um calor senegalesco e havia também cervejas e refrigerantes que nos foram servidos imediatamente.
- Foi o Gilberto quem comprou as bebidas, dizia minha mãe, abraçando-me e agradecendo enquanto anunciava: só faltam a Eunice e o Orlando.
Ainda não chegara a data aprazada e por isto aproveitamos o tempo para uma visita ao Estreito, localidade maranhense à margem do Tocantins onde este é cruzado pela estrada Belém - Brasília. O Gilberto tem um hotel junto à ponte da rodovia, onde o movimento de veículos já atinge a média de 300 diários.
A ponte, uma obra de arte, tem um vão livre de 144 metros. Apoia-se sobre a laje que comprime lateralmente o rio reduzindo a sua largura e dando-lhe enorme profundidade. As pilastras plantadas na rocha viva de cada lado, sustentam duas lâminas de concreto protendido que se encontram ao centro estabelecendo o equilíbrio ideal. Obra maravilhosa da engenharia brasileira que no gênero e extensão talvez seja a única no mundo.
Carolina acaba de ser ligada ao Estreito por um ramal rodoviário de noventa quilômetros e há linhas regulares de ônibus entre os dois pontos, cujo percurso é completado em hora e meia de viagem com direito ao deslumbramento de panoramas belíssimos e o acompanhamento jocoso do fio do telégrafo, suspenso por varas de bambus.
Essa ligação rodoviária trouxe um novo alento à nossa terra que estava fadada a um outro período de estagnação pelo isolamento com a navegação fluvial desaparecida e a aeronavegação substancialmente reduzida face ao zoneamento adotado. Tal medida importando na supressão da concorrência deixou os usuários à mercê das empresas privilegiadas com o monopólio, as quais por isto mesmo não tem interesse maior na melhoria dos serviços que prestam.
Assim o ramal agora construído representa a abertura de novas perspectivas para o povo de Carolina e do município vizinho, Filadélfia no estado de Goiás.
Em Carolina, Donana estava orgulhosa com os filhos reunidos, conversando na varanda que dá para o jardim (o jardim de minha mãe além de mamoeiros tem até uma bacabeira que é uma das palmeiras tropicais mais bonitas). A família junta faz uma algazarra enorme. A casa está em rebuliço com tanta gente e os preparativos para a festa de aniversário dia 13 de agosto (1968).
Desde a véspera a cozinha começou a funcionar a todo o vapor e quando fui por lá fazer uma inspeção, deparei com a Bernarda, uma senhora de cabeça grisalha à qual fui apresentado pela tia Elisa, esclarecendo tratar-se de pessoa perita no preparo de banquetes. Ela estava bastante alegre e ria Elisa me informou que a Eunice e o Gilberto já lhe haviam servido algumas doses de uísque (os dois são comigo e Genésio os irmãos mais brincalhões da família).
Fiquei a observar sem nada dizer até que a Bernarda botando as mãos nas cadeiras virou-se para mim interrogando-me:
- Escuta Rossini, tu não te lembras de mim? Então não fomos colegas na escola da Professora Crisantina?
Os preparativos prosseguiram pela noite a dentro. Pus uma rede na varanda perto de onde os demais estavam reunidos. Estirei-me nela e entrei na conversa que era das mais animadas.
Acordei ao clarear do dia, liguei o rádio e não deixei mais ninguém dormir. Minha mãe foi logo abraçada pelos filhos, noras e netos presentes e preparou-se para receber os amigos que vieram cumprimentá-la a partir das oito horas como é hábito local.
Ao meio dia teve lugar o festivo almoço. à cabeceira da grande mesa cuidadosamente ornamentada, Donana irradiava felicidade, sentindo as manifestações de carinho dos filhos, genros, noras, netos, bisnetos e de alguns amigos mais íntimos.
Em sua fisionomia tranquila mamãe deixava transparecer a alegria de mulher inteiramente realizada.
Permita-nos Deus por muitos anos ainda, desfrutar a ventura dessas reuniões familiares, tão felizes e de tão gratas recordações.

- Em 13 agosto 1978 a família reuniu-se novamente em Carolina, MA, para comemorar os 90 anos de Donana.




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